Reeducação Neuromotora

Publicado por Alexandre Campelo em

A fisioterapia tem o objetivo de preservar, manter ou recuperar a funcionalidade das estruturas envolvidas nas ações motoras. Para tal, se faz necessária a existência de instrumentos de medida validados e confiáveis capazes de analisar a qualidade do movimento e identificar os componentes que apresentam alterações funcionais. Dessa maneira, o fisioterapeuta é capaz de planejar a sua intervenção de forma mais adequada e racional.

 

O raciocínio clínico é fundamental no dia-a-dia do fisioterapeuta. A enorme diversidade de pacientes exige uma necessidade constante de tomar decisões efetivas para cada situação específica. Estas decisões e estratégias de intervenção devem ser fundamentadas, baseando-se em dados e evidências científicas (Porter, 2005).

 

Portanto, ao serem consideradas as necessidades individuais do paciente, o fisioterapeuta demonstra que é possível envolvê-lo na terapia através de sua participação nas tomadas de decisões. Como já discutimos no artigo “Mudar é Preciso” (clique AQUI para ler), essa medida tem o objetivo de abandonar a visão medicalizada dos modelos de intervenção, tradicionalmente associados ao processo de incapacidade (WHO, 2001). Neste artigo, as estratégias para a reeducação neuromotora após lesões no sistema nervoso central (SNC) serão discutidas.

 

As sequelas resultantes de lesões no SNC e/ou periféricas dependem de fatores como a etiologia, da gravidade, e da localização e extensão dessas lesões. Após lesões nervosas, deficiências motoras são as mais comuns, porém, podem estar associadas a deficiências cognitivas, sensoriais, comunicativas, entre outras (Raine et al., 2009; Lundy-Ekman, 2008; Porter, 2005). Dificuldades na marcha são comumente apresentadas por pacientes com deficiência neuromotora, influenciando significativamente no retorno ao trabalho, no desempenho de atividades de vida diária, como por exemplo se locomover dentro de casa, subir escadas, praticar atividade física, e na participação em eventos sociais (Higginson et al., 2006). A recuperação do padrão normal da marcha é uma das metas mais importantes da reabilitação dos pacientes com lesões nervosas (Raine et al., 2009).

 

Especificamente, a ação de andar constitui um desafio para o sistema de controle postural, uma vez que envolve a troca de suporte do peso corporal entre os membros inferiores e compreende a interação complexa de sistemas neuronais e biomecânicos responsáveis por mover o corpo (Sousa et al., 2009; Mercer & Sahrmann, 1999). Na reeducação neuromotora da marcha, o fisioterapeuta deve focar sua intervenção clínica na melhoria da sincronicidade entre os segmentos do sistema musculoesquelético, potencializando ao máximo a qualidade do movimento. Assim, busca-se o alinhamento dos segmentos corporais, o ajuste da base de suporte sob o centro de gravidade, e a capacidade de efetuar movimento seletivo (Kollen et al., 2009; Raine, 2007; Lennon, 2003; Lennon & Ashburn, 2000). Ao recuperar o controle postural dinâmico, o paciente se vê capaz de melhorar o seu desempenho funcional sem utilizar estratégias compensatórias inadequadas (Raine et al., 2009; Raine, 2007; Pyoria et al., 2007).

 

A reeducação neuromotora após lesão nervosa tem um papel fundamental na maximização do mecanismo de neuroplasticidade. A neuroplasticidade é a capacidade do SNC de induzir mudanças funcionais e microestruturais com o objetivo de se adaptar a uma nova condição ou a um novo ambiente (Antal & Paulus, 2010). A literatura científica sugere que nos primeiros três meses após lesões nervosas, como por exemplo o acidente vascular encefálico (AVE), a recuperação é mais rápida, comparativamente ao período seguinte, em que as melhorias ocorrem de forma mais lenta, ainda que progressivas. Dessa forma, é durante os primeiros três meses que se observa uma maior plasticidade.

 

Durante essa primeira fase, a reeducação neuromotora, com o objetivo de recuperação funcional, pode influenciar consideravelmente a organização e a orientação da mudança através da melhor interpretação da informação nervosa periférica pelo SNC. É também nesse período que evita-se a instalação de estratégias compensatórias prejudiciais que, a longo prazo, constituem uma adaptação inapropriada e impedem o aparecimento de padrões efetivos de movimento (Michaelsen & Levin, 2004; Cirstea & Levin, 2000). Assim, após uma lesão do SNC, tanto a intensidade dos programas de intervenção como o tempo decorrido entre a lesão e o início da intervenção influenciam a recuperação da função motora (Lundy-Ekman, 2008). Levando em consideração os conhecimentos de neurociência e as suas repercussões funcionais na prática de atividades de vida diária, estratégias e procedimentos de intervenção são formulados e devem ir ao encontro de uma reeducação neuromotora eficaz (Lennon, 2003; Lennon & Ashbum, 2000).

 

Na reeducação neuromotora do movimento, o fisioterapeuta, junto aos demais profissionais de saúde responsáveis pela recuperação integral do paciente, atua como um facilitador da reabilitação, incentivando em todas as tarefas a existência de combinações motoras, sensoriais, cognitivas apropriadas, considerando componentes biomecânicos, necessários para a optimização da função (Kollen et al., 2009; Raine et al.; 2009; Raine, 2007; Lennon, 2003). Neste âmbito, a facilitação dos movimentos, promovendo a reaprendizagem motora deve possuir metas atingíveis, realistas, desafiadoras, e específicas a cada paciente.

 

Lembre-se, incentivar a aprendizagem motora é melhorar os processos de controle motor.

 

Técnicas convencionais como o conceito Bobath e a Facilitação Neuromuscular Proprioceptiva (FNP) têm mostrado eficiência na melhora funcional de pacientes com lesões nervosas (Chen & Shaw, 2014). Porém, devemos estar atentos às estratégias avançadas de reabilitação sensório-motora. Nas últimas décadas, junto com o auxílio de novas tecnologias, tem-se desenvolvido técnicas como a estimulação elétrica, biofeedback eletromiográfico, terapia de movimento induzida pela restrição, dispositivos robóticos, realidade virtual, compressão pneumática intermitente (CPI), treinamento na esteira com suporte parcial do peso corporal, e estimulação térmica. O conceito de combinar procedimentos de alto valor à reabilitação em “um pacote de treinamento”, com base no estado funcional do paciente durante diferentes fases de recuperação após lesão do SNC tem sido proposto por Chen e Shaw (2014).

 

Portanto, a intervenção clínica deve basear-se em instrumentos de avaliação adequados, ser individualizada, e progressivamente adaptada de acordo com a resposta do indivíduo. Dessa forma, o paciente deve apresentar um papel ativo durante o seu processo de reeducação neuromotora, permitindo a potencialização dos efeitos terapêuticos ao nível do SNC (Lennon, 2003; Lennon & Ashburn, 2000). Do ponto de vista científico, existe evidência relativa aos benefícios das estratégias de reeducação neuromotora para melhoria da função do indivíduo sob condições de deficiência neuromotora. Todavia, existe pouca evidência relativa à significância dos ganhos obtidos, devido à limitação na comparação dos resultados obtidos. Isso se deve ao uso de métodos muito distintos e à existência de diversas variáveis que influenciam na mensuração dos dados (Langhammer & Stanghelle, 2000; Mulder & Hochstenbach, 2001). Além disso, segundo Pollock et al. (2007), não existe evidência que permita concluir qual é a abordagem que apresenta mais vantagens, comparativamente às restantes. Seguindo as ideias de Chen e Shaw (2014), estar atento às novas estratégias e integrar técnicas avançadas aos programas convencionais de reabilitação sensório-motora podem trazer excelentes benefícios funcionais para pacientes com sequelas neuromotoras.

 

Caso queira ler mais sobre os conceitos de “Reeducação Neuromotora” acesse gratuitamente o artigo entitulado: “Reeducation Sensorimotor: Principles and A Model in Physiotherapy”

https://www.researchgate.net/profile/Raul_Oliveira/publication/294427733_Reeducation_Sensorimotor_Principles_and_A_Model_in_Physiotherapy/links/56c0c89708aeedba05647de9.pdf

 

Também recomendo o livro-texto do autor Eyal Lederman entitulado: “Neuromuscular Rehabilitation in Manual and Physical Therapies: Principles to Practice”.

 

“Educar é impregnar de sentido o que fazemos a cada instante.” – Paulo Freire

 

Alexandre Campelo

Equipe Fisio na Pauta

 

Como citar esse artigo:

Campelo, A. (2017). Reeducação Neuromotora. Retirado de: https://fisionapauta.com.br/reeducacao-neuromotora/

 

Referências bibliográficas:

 

Antal, A., & Paulus, W. (2010). Transcranial magnetic and direct current stimulation in the therapy of pain. Schmerz (Berlin, Germany), 24(2), 161-166.

 

Chen, J. C., & Shaw, F. Z. (2014). Progress in sensorimotor rehabilitative physical therapy programs for stroke patients. World Journal of Clinical Cases: WJCC, 2(8), 316.

 

Cirstea, M. C., & Levin, M. F. (2000). Compensatory strategies for reaching in stroke. Brain, 123(5), 940-953.

 

Higginson, J. S., Zajac, F. E., Neptune, R. R., Kautz, S. A., & Delp, S. L. (2006). Muscle contributions to support during gait in an individual with post-stroke hemiparesis. Journal of biomechanics, 39(10), 1769-1777.

 

Kollen, B. J., Lennon, S., Lyons, B., Wheatley-Smith, L., Scheper, M., Buurke, J. H., … & Kwakkel, G. (2009). The effectiveness of the Bobath concept in stroke rehabilitation. Stroke, 40(4), e89-e97.

 

Langhammer, B., & Stanghelle, J. K. (2000). Bobath or motor relearning programme? A comparison of two different approaches of physiotherapy in stroke rehabilitation: a randomized controlled study. Clinical rehabilitation, 14(4), 361-369.

 

Lennon, S. (2003). Physiotherapy practice in stroke rehabilitation: a survey. Disability and rehabilitation, 25(9), 455-461.

 

Lennon, S., & Ashburn, A. (2000). The Bobath concept in stroke rehabilitation: a focus group study of the experienced physiotherapists’ perspective. Disability and rehabilitation, 22(15), 665-674.

 

Lundy-Ekman, L. (2011). Neurociência fundamentos para reabilitação. Elsevier Brasil.

 

Mercer, V. S., & Sahrmann, S. A. (1999). Postural synergies associated with a stepping task. Physical therapy, 79(12), 1142-1152.

 

Michaelsen, S. M., & Levin, M. F. (2004). Short-term effects of practice with trunk restraint on reaching movements in patients with chronic stroke. Stroke, 35(8), 1914-1919.

 

Mulder, T., & Hochstenbach, J. (2001). Adaptability and flexibility of the human motor system: implications for neurological rehabilitation. Neural plasticity, 8(1-2), 131-140.

 

Pollock, A., Baer, G. D., Langhorne, P., & Pomeroy, V. M. (2008). Physiotherapy treatment approaches for stroke. Stroke, 39(2), 519-520.

 

Porter, S. (2013). Tidy’s Physiotherapy, 15e. Elsevier India.

 

Pyöriä, O., Talvitie, U., Nyrkkö, H., Kautiainen, H., Pohjolainen, T., & Kasper, V. (2007). The effect of two physiotherapy approaches on physical and cognitive functions and independent coping at home in stroke rehabilitation. A preliminary follow-up study. Disability and rehabilitation, 29(6), 503-511.

 

Raine, S. (2007). The current theoretical assumptions of the Bobath concept as determined by the members of BBTA. Physiotherapy Theory and Practice, 23(3), 137-152.

 

Raine, S., Meadows, L., & Lynch-Ellerington, M. (Eds.). (2013). Bobath concept: theory and clinical practice in neurological rehabilitation. John Wiley & Sons.

 

Sousa, A. S., Tavares, J. M. R., Sousa, F., & Mendes, E. (2009). Análise da marcha baseada numa correlação multifactorial. In Actas do 3º Congresso Nacional de Biomecânica.

 

World Health Organization. (2001). International Classification of Functioning, Disability and Health: ICF. World Health Organization.


5 comentários

Helio Neto · 07/07/2017 às 18:36

Artigo consistente, atual e bem discutido. Parabéns aos autores.

Arnaldo Campelo · 07/07/2017 às 20:16

Parabéns para o autor deste texto, Alexandre Campelo, estendido para toda a Equipe Fisio na Pauta, pela abordagem do assunto ” Reeducação Neuromotora” de forma técnica, fundamentada em referências Bibliográficas Internacionais sérias, com o intuito elucidar e orientar os interessados para serem facilitadores para esta importante reabilitação.

Silvio · 12/10/2017 às 19:48

Bacana.

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