Kinesi-o-quê? A História e a Importância do Conceito de Cinesiologia

Publicado por Alexandre Campelo em

Há três anos, eu tive a oportunidade de vir para o Canadá onde ingressei no doutorado pela Faculdade de Kinesiology, na University of Calgary. Mas…o que significa Kinesiology?

 

Kinesiology é um termo relativamente novo na área das ciências da saúde. O primeiro registro do termo foi em 1854, na biografia de Per Henrik Ling, fundador do sistema sueco de ginástica. O conceito ganhou maior importância três anos após sua primeira aparição, em 1857, ano em que Nicholas Dally (1857) publicou seu livro entitulado “Cinesiologie”. Na ocasião, Dally (1857) definiu o termo kinesiology como o estudo científico do movimento relacionado à educação, higiene e terapia (Sporis et al., 2013).

 

A palavra cinesiologia é originária da combinação de duas palavras gregas: kinesis, que significa “movimento” e logos, que significa “estudo”. De forma simplificada, Dennison e Dennison (1985) definiram o termo como a área de estudo do corpo em movimento. De acordo com a American Kinesiology Association (AKA, 2015), o termo kinesiology é definido como “a disciplina que envolve o estudo da atividade física e o seu impacto na saúde, sociedade e qualidade de vida “(p.1). Abrange também o estudo da anatomia e fisiologia do movimento do corpo (AKA, 2015).

 

Apesar da clareza e simplicidade da definição do termo, o estudo científico do movimento recebeu vários nomes ao longo da história: antropomotricidade, cineantropologia, motricidade ou psicomotricidade. Devido a complexidade do estudo do movimento, estes não foram os únicos termos utilizados para cobrir a definição deste campo de estudo. Alguns termos têm sua origem em tentativas de definir esta disciplina acadêmica de forma mais abrangente: ciência do movimento humano, ciência da atividade física, antropocinética (Blahus, 1999), reflexomotricidade, motricidade esportiva, entre tantos outros (Hirtz, Kirchner, Pöhlmann, 1994). Recentemente, os termos propostos para o estudo do movimento humano tem-se unificado e apresentado de forma mais corriqueira como Educação Física, Exercício Físico, Ciências do Esporte, Ciências do Movimento, ou Cinética Humana (Silverman, Thomas & Nelson, 1990). Porém, esses termos não devem ser usados como sinônimos.

 

A grande quantidade e diversidade de nomes propostos indicam o seu grau de complexidade e de envolvimento de diferentes áreas científicas como a biologia, psicologia, sociologia, pedagogia, física, matemática, entre outras. De fato, entre todos os nomes propostos, Cinesiologia (ou Kinesiology, em inglês) tem sido considerado o mais adequado na literatura científica e adotado pelas associações, institutos e universidades ao redor do mundo (AKA, 2015).

 

A era moderna da Kinesiology, como nomenclatura de cursos acadêmicos, começou na América do Norte há cerca de 50 anos. Em 1993, a Academia Americana de Educação Física mudou seu nome para a Academia Americana de Cinesiologia e Educação Física (AAKPE), reconhecendo a importância e os valores da cinesiologia como uma ciência multi e interdisciplinar do movimento humano. Em 2007, a American Kinesiology Association foi estabelecida para promover e estruturar a cinesiologia como um campo de estudo unificado no sistema de ensino superior dos Estados Unidos, avançando as suas aplicações em pesquisas.

 

As origens do curso de Cinesiologia, do qual sou matriculado na Universidade de Calgary, datam de 1961, quando a Escola de Educação Física foi fundada. Em 1994, o nome foi alterado para a Faculdade de Cinesiologia. Hoje, o currículo da faculdade é reconhecido pelo Canadian Council of University Physical Education and Kinesiology Administrators (CCUPEKA). Estima-se que a adoção do termo kinesiology, assim como os fundamentos científicos dessa área do conhecimento, tenham aumentado em mais de 50% de 2003 a 2008 (AKA, 2015; Wojciechowska, 2010). Atualmente, é comum encontrar mais de mil alunos de graduação matriculados em cada departamento de cinesiologia das universidades dos Estados Unidos e Canadá (Sporis et al., 2013).

 

O que esse crescimento e essas mudanças tem a ver com você e com a Fisioterapia?

 

Este grande interesse é justificado, genuinamente, quando consideramos o significado do movimento para a manutenção da vida. Há cada vez mais evidência dos benefícios da prática regular de atividade física de diferente intensidade, duração, propósito e conteúdo, bem como seu efeito sobre o corpo, cognição e interação social das pessoas (WHO, 2015). Por isso, se faz necessário o amplo conhecimento do estudo do movimento humano não só pelos fisioterapeutas, educadores físicos e outros profissionais da saúde, mas por todos os indivíduos, seja qual for a área de atuação profissional.

 

Segundo a Organização Mundial de Saúde (WHO, 2015), o percentual de pessoas que praticam algum tipo de atividade física regularmente não chega a 40%. Ou seja, mais de 60% da população mundial é sedentária! Consequentemente, as doenças crônicas associadas à inatividade física, como a obesidade, cardiopatias, cânceres, diabetes, entre outras, são o maior problema de saúde pública na maioria dos países do mundo. Medidas de saúde pública para melhorar a atividade física de toda a população são urgentemente necessárias.

 

Por isso, através do Fisio na Pauta, gostaria de lhe alertar sobre a importância do movimento em nossas vidas. Um nível adequado de atividade física regular:

 

– Reduz o risco de hipertensão (Huai et al., 2013), doença cardíaca coronária (Myers et al., 2015), acidente vascular cerebral (Kyu et al., 2016; McDonnell et al., 2013), diabetes (Kyu et al., 2016; Aune et al., 2015), câncer de mama e de cólon (Kyu et al., 2016), depressão (Santos et al., 2017)

 

– Redução de quedas a cada 100 horas de caminhada (Klenk et al., 2015);

 

– Melhora a saúde funcional óssea (Warburton, Gledhill & Quinney, 2001); e

 

– É o principal determinante do gasto energético e, portanto, é fundamental para o equilíbrio calórico e controle de peso (Haskell et al., 2007).

 

A prática de “atividade física” não deve ser confundida com a prática de “exercício físico”. Exercício físico é uma variedade de atividades físicas planejadas, estruturadas, repetitivas e realizadas com um objetivo relacionado à melhoria ou manutenção de um ou mais componentes da aptidão física. A atividade física inclui o exercício, mas também outras atividades que envolvem movimento corporal e são realizadas como parte dos momentos de prática esportiva, trabalho, formas de transporte ativas, tarefas domésticas e atividades recreativas.

 

Aumentar o nível de atividade física é uma necessidade social, não apenas individual. Portanto, exige uma perspectiva populacional, multissetorial, multidisciplinar e culturalmente apropriada. A Fisioterapia ao integrar-se às demais áreas do estudo do movimento, abrange conhecimentos muito mais complexos do que apenas observar o movimento humano, mas sim entende-lo em sua totalidade contextual, afim de empregar e manter a sua funcionalidade e compreender possíveis mecanismos de lesão. A partir da utilização de todos os campos envolvidos nos estudos da cinesiologia, o profissional pode identificar, analisar e planejar procedimentos terapêuticos, facilitando seu diagnóstico e tratamento adequados. Além disso, o fisioterapeuta é um dos profissionais da saúde capacitados a orientar sobre o desenvolvimento e manutenção de estilos de vida fisicamente ativos. Ele também é capaz de garantir a prevenção ou atraso da necessidade de cuidados de saúde da população sedentária, utilizando dos conceitos da cinesiologia para tal.

 

Incorpore o movimento ao seu dia-a-dia, sempre de forma criativa e prazerosa!

 

Keep Active!

 

Alexandre Campelo

Equipe Fisio na Pauta

 

 

Referências Bibliográficas:

 

American Kinesiology Association. (2015). AKA clarifies the definition of kinesiology.

 

Aune, D., Norat, T., Leitzmann, M., Tonstad, S., & Vatten, L. J. (2015). Physical activity and the risk of type 2 diabetes: a systematic review and dose–response meta-analysis.

 

Blahus, P. (1999). Measuring and modelling motor abilities as concept formation in scientific theory building in kinanthropology. In Intern. conf. Kinesiology for the 21st century”, Faculty of Physical Education University Zagreb (pp. 43-50).

 

Dally, N. (1857). Cinésiologie ou Science du mouvement dans ses rapports avec l’éducation, l’hygiène et la thérapie: études historiques, théoriques et pratiques. Librairie centrale des sciences.

 

Dennison, P. E., & Dennison, G. E. (1985). Personalized whole brain integration: The basic II manual on educational kinesiology. Edu-Kinesthetics.

 

Haskell, W. L., Lee, I. M., Pate, R. R., Powell, K. E., Blair, S. N., Franklin, B. A., … & Bauman, A. (2007). Physical activity and public health: updated recommendation for adults from the American College of Sports Medicine and the American Heart Association. Circulation, 116(9), 1081.

 

Hirtz, P., Kirchner G., & Pöhlmann R. (1994), Sportmotorik. Univesität Gesamthochschule Kassel.

 

Huai, P., Xun, H., Reilly, K. H., Wang, Y., Ma, W., & Xi, B. (2013). Physical Activity and Risk of Hypertension. Hypertension, HYPERTENSIONAHA-113.

 

Klenk, J., Kerse, N., Rapp, K., Nikolaus, T., Becker, C., Rothenbacher, D., … & ActiFE Study Group. (2015). Physical activity and different concepts of fall risk estimation in older people–results of the ActiFE-Ulm Study. PloS one, 10(6), e0129098.

 

Kyu, H. H., Bachman, V. F., Alexander, L. T., Mumford, J. E., Afshin, A., Estep, K., … & Cercy, K. (2016). Physical activity and risk of breast cancer, colon cancer, diabetes, ischemic heart disease, and ischemic stroke events: systematic review and dose-response meta-analysis for the Global Burden of Disease Study 2013. bmj, 354, i3857.

 

McDonnell, M. N., Hillier, S. L., Hooker, S. P., Le, A., Judd, S. E., & Howard, V. J. (2013). Physical activity frequency and risk of incident stroke in a national US study of blacks and whites. Stroke, 44(9), 2519-2524.

 

Myers, J., McAuley, P., Lavie, C. J., Despres, J. P., Arena, R., & Kokkinos, P. (2015). Physical activity and cardiorespiratory fitness as major markers of cardiovascular risk: their independent and interwoven importance to health status. Progress in cardiovascular diseases, 57(4), 306-314.

 

Santos, D. A., Virtuoso Jr, J. S., Meneguci, J., Sasaki, J. E., & Tribess, S. (2017). Combined Associations of Physical Activity and Sedentary Behavior With Depressive Symptoms in Older Adults. Issues in Mental Health Nursing, 38(3), 272-276.

 

Sedentary life-style, W. H. O. (2015). A global public health problem.

 

Silverman, J. S., Thomas, J. R., & Nelson, J. K. (2005). Research Methods in Physical Activity.

 

Sporiš, G., Badrić, M., Prskalo, I., & Bonacin, D. (2013). Kinesiology: systematic review. Sport Science, 6(1), 7-23.

 

Warburton, D. E., Gledhill, N., & Quinney, A. (2001). The effects of changes in musculoskeletal fitness on health. Canadian Journal of Applied Physiology, 26(2), 161-216.

 

Wojciechowska, I. (2010). A quickly growing major. Inside higher education.


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