Alongamento muscular ou tolerância a estensibilidade?
O alongamento muscular é uma modalidade terapêutica efetiva para o aumento da amplitude de movimento (ADM) de uma articulação quando utilizado em correta intensidade e frequência (Young et al., 2013 e Freitas & Pedro, 2015). Acredita-se que o aumento da ADM é uma consequência do aumento da estensibilidade do tecido muscular, que é a capacidade do músculo de estender-se a um pré-determinado ponto de tensão, respeitando a percepção de dor ou desconforto do indivíduo (Weppler & Magnusson, 2010).
Para fins de discussão deste artigo, tensão é definida como a resitência passiva de um músculo à medida que esse é estendido. A tensão está relacionada à força tensil aplicada. Essa relação é descrita pela curva comprimento-tensão mostrada na figura abaixo (fig. 1).
Segundo a literatura científica, é possível que o aumento da estensibilidade muscular ocorra devido à diminuição da rigidez do músculo/tendão ou ao aumento do comprimento muscular (Weppler & Magnusson, 2010). A rigidez muscular é a mudança na tensão por unidade de mudança no comprimento (Weppler & Magnusson, 2010). Quando ocorre uma alteração no comprimento muscular por meio do alongamento, a curva comprimento-tensão move-se para a direita, ou seja, atinge-se um maior comprimento muscular com a aplicação da mesma força de tensão (Weppler & Magnusson, 2010) (fig. 2).
Há vários tipos de treinamentos físicos que promovem mudanças estruturais e mecânicas na unidade músculo-tendão (UMT). As alterações estruturais podem ocorrer no comprimento e na espessura do fascículo muscular, no volume da área do corte transversal do músculo e na rigidez do tendão (Timmins et al., 2015 e Blazevich, 2006). Tais mudanças estão relacionadas com as alterações das propriedades funcionais do músculo, como por exemplo a relação força-comprimento-velocidade (Narici, 1999) e com o risco de lesões na UMT (Trimmins et al., 2016).
Segundo Freitas et al. (2017) os efeitos do treino de flexibilidade através do alongamento muscular nas propriedades estruturais da unidade músculo-tendínea (UMT) ainda não foram totalmente esclarecidos. Weppler e Magnusson (2010) descreveram duas teorias que explicam o ganho de ADM através do treino de flexibilidade utilizando o alongamento muscular:
Teoria Sensorial
O ganho de ADM ocorre por conta de um aumento da tolerância ao estímulo de alongamento, ou seja, a UMT é capaz de tolerar um aumento da tensão passiva. Isto é, há o aumento da estensibilidade muscular, sem que haja mudança do comprimento do fascículo muscular (Weppler & Magnusson, 2010).
Teoria Mecânica
O ganho de ADM ocorre devido à diminuição da resistência articular ao alongamento. Isto é, o torque necessário para mover a articulação, passivamente e ao longo da ADM, diminui. Esta resposta pode estar relacionada às mudanças das propriedades mecânicas da UMT (diminuição da rigidez), ou às alterações na arquitetura muscular (aumento do comprimento do fascículo muscular) (Weppler & Magnusson, 2010).
O objetivo principal da prescrição do alongamento muscular, seja no âmbito de performance esportiva ou na prática clínica, é afetar a UMT e suas propriedades mecânicas, entretanto, ainda não sabemos se esse tipo de intervenção é eficiente para alcançar tais objetivos (Freitas et al., 2017).
A revisão sistemática mais recente sobre alongamento muscular, entitulada “Can chronic stretching change the muscle-tendon mechanical properties? A review.”, elaborada por Freitas et al. (2017), teve o objetivo de avaliar a efetividade dessa intervenção. Foram selecionados 26 estudos (23 estudos utilizando alongamento estático, 3 utilizando alongamento dinâmico e outros 3 utilizando a facilitação neuromuscular proprioceptiva), através do critério PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses). Os autores concluíram que:
- Existe uma moderada/alta heterogeneidade nas variáveis utilizadas nos estudos;
- O alongamento crônico utilizado entre 3 e 8 semanas demonstraram um efeito pequeno sobre a diminuição da resistência articular ao alongamento;
- Não é possível determinar a duração mínima do protocolo de alongamento que seja capaz de produzir alterações na estrutura da UMT;
- Não foram observadas mudanças estatisticamente significativas nas propriedades mecânicas da UMT depois de intervenções que utilizaram o alongamento crônico;
- A presente meta-análise corrobora com a teoria sensorial como o mecanismo responsável pelo ganho de ADM;
- As adaptações crônicas, observadas entre as primeiras 6 e 8 semanas do treino de alongamento ocorrem devido às alterações do sistema sensorial, uma vez que as mudanças estruturais na UMT são marginais ou ausentes durante esse período;
- Os mecanismos envolvidos nas adaptações sensoriais precisam ser determinados (Weppler & Magnusson, 2010), podendo haver alterações tanto em componentes do sistema nervoso central quanto periférico;
- Para alterar a estrutura da UMT através do alongamento, períodos de intervenções mais longos devem se utilizados (>8-12 semanas); ou a intensidade do alongamento por sessão deve ser aumentada; ou o uso de um tempo maior na posição de alongamento, por semana, deve ser maior (>1165s);
- Fatores não-musculares, como a fáscia, outros tecidos conectivos e os nervos periféricos, que envolvem o músculo, podem ser mais sensíveis às alterações mecânicas e limitarem as aplicações do alongamento mais intenso e frequente.
Em suma, de acordo com a literatura científica atual, o aumento da estensibilidade muscular por meio do alongamento, prescrito na prática clínica e esportiva com a intenção de aumentar a ADM articular através do aumento do comprimento muscular, não é possível se caso utilizado por um período menor que 8 semanas. Além disso, a teoria sensorial do alongmaneto muscular é a mais aceita até o momento para explicar os efeitos do treino de flexibilidade.
Se você quiser saber mais informações sobre o alongamento muscular na atividade física, ouça o Fisio na Pauta Podcast – EP 004 Alongar para quê?
Equipe Fisio na Pauta
Referências bibliográficas:
Freitas, S. R., Mendes, B., Le Sant, G., Andrade, R. J., Nordez, A. and Milanovic, Z. (2017). Can chronic stretching change the muscle-tendon mechanical properties? A review. Scand J Med Sci Sports.
Weppler, C. H., & Magnusson, S. P. (2010). Increasing muscle extensibility: a matter of increasing length or modifying sensation?. Physical therapy, 90(3), 438-449.
Timmins, R. G., Bourne, M. N., Shield, A. J., Williams, M. D., Lorenzen, C., & Opar, D. A. (2016). Short biceps femoris fascicles and eccentric knee flexor weakness increase the risk of hamstring injury in elite football (soccer): a prospective cohort study. Br J Sports Med, 50(24), 1524-1535.
Narici, M. (1999). Human skeletal muscle architecture studied in vivo by non-invasive imaging techniques: functional significance and applications. Journal of Electromyography and Kinesiology, 9(2), 97-103.
Timmins, R. G., Shield, A. J., Williams, M. D., Lorenzen, C., & Opar, D. A. (2015). Biceps femoris long-head architecture: a reliability and retrospective injury study. Medicine and science in sports and exercise, 47(5), 905-913.
Blazevich, A. J. (2006). Effects of physical training and detraining, immobilisation, growth and aging on human fascicle geometry. Sports Medicine, 36(12), 1003-1017.
Freitas, S. R., & Mil-Homens, P. (2015). Effect of 8-week high-intensity stretching training on biceps femoris architecture. The Journal of Strength & Conditioning Research, 29(6), 1737-1740.
Young, R., Nix, S., Wholohan, A., Bradhurst, R., & Reed, L. (2013). Interventions for increasing ankle joint dorsiflexion: a systematic review and meta-analysis. Journal of foot and ankle research, 6(1), 46.
Serpa, E. P., Junior, G. D. B. V., & Marchetti, P. H. (2014). Aspectos biomecânicos da unidade músculo tendínea sob efeito do alongamento. Revista CPAQV-Centro de Pesquisas Avançadas em Qualidade de Vida, 6(1).
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